Toda agente sabe que Angola é um colosso em África. Porventura, é um dos países com maiores potencialidades económicas, dada a sua extensão como a sua riqueza em matérias-primas estratégicas. Com a Revolução dos Cravos, em Abril de 1974, virou-se uma página da história, após anos de colonialismo. Depois Angola, como as demais ex-colónias africanas, entraram no chamado processo de independência e de afirmação nacional. Uma transição quase sempre acompanhada ou de guerras civis ou de uma tremenda incapacidade para se autogerirem. A ausência de quadros qualificados em quase todos os sectores da sociedade prenunciava esse desfecho, que resultou em mais subdesenvolvimento, mais corrupção e mais injustiças sociais e assimetrias entre as várias regiões no conjunto nacional.
A construção da democracia nem sempre foi acompanhada de um método pluralista e organizado e à aparente participação das populações não se seguiu uma melhor organização da sociedade civil, que hoje continua fraca e muito dependente. Alguns jornalistas também não podem pensar e escrever tudo o que desejam, porque o regime coarcta essa liberdade de expressão. Alguns deles tiveram de fugir para Portugal na sequência de reportagens mais afoitas, como o baton do regime - que levou o seu autor a refugiar-se em Lisboa. Isto só por si é revelador de que a democracia angolana ainda convive mal com o pluralismo jornalístico e nem sempre usa da devida tolerância para com essas manifestações de informação e análise.
A guerra civil entre a UNITA e o MPLA só serviu para dilacerar os recursos do País a fim de manter a economia de guerra e agudizar os ódios entre ambos os lados. Um ódio que esta última década vem tentando sarar. Os novos partidos políticos pouca expressão têm em Angola. Por outro lado, a organização da economia, sobretudo aquela ligada ao café, abacaxi, algodão poderia estar melhor organizada e daí resultar mais rendimentos para os seus agricultores garantindo também aos angolanos uma melhor qualidade de vida - que hoje ainda não existe. O processo de alfabetização, introdução de saneamento nas cidades e vilas de Angola ainda são uma promessa por cumprir. Resultado: são ainda milhões de angolanos que vivem com menos de 1 dólar por dia, a população sofre de taxas de iliteracia dantescas e os cuidados básicos com a alimentação e higiéne ainda é um luxo de ricos - que escapa à generalidade da população.
Não conheço as estatísticas, mas não devem ser animadoras, pelo que há imenso ainda por fazer nesses domínios. Sendo que as imensas vantagens do petróleo deveriam servir para financiar essas necessidades e prover às inúmeras reformas que faltam na Educação, na Saúde, no Ambiente, na Segurança Social e na generalidade dos sectores da sociedade.
Nem quero imaginar como seria hoje Angola caso fosse a UNITA que estivesse no poder. Pior estaria, seguramente. Sem quadros e apenas vocacionada para fazer a guerra - a economia angolana ainda estaria mais desarticulada e a sociedade mais miserável.
Os musseques são mais do que muitos, as campanhas de vacinação à população estão longe de prevenir doenças que há muito deveriam estar erradicadas. E é em todas estas áreas que Portugal e os portugueses, por variadas razões, poderiam e deveriam ajudar de forma organizada, contratualizada no quadro das excelentes relações bilaterais - Estado a Estado - que hoje existem entre Portugal e Angola.
Angola quer hoje investir em força em Portugal, Portugal deseja fazer o mesmo em Angola. Infelizmente, Portugal não dispõe de petróleo, mas tem massa cinzenta para ajudar a organizar a sociedade civil angolana, as suas forças armadas, a sua economia. Penso que é tempo para os dois Países edificarem uma cooperação a sério entre ambos que não passe apenas por participações cruzadas de capital em grandes empresas cujos lucros ficam retidos nos accionistas que mandam nelas, sem que daí resulte um benefício líquido para as populações que hojem vivem na miséria e não sabem como sair dela.
As receitas do petróleo devem criar fundos para a Educação, para a Saúde, para o Ambiente, para o aprofundamento e organização da sociedade civil e o desenvolvimento em geral. E não utilizar esses recursos de forma injusta e, por vezes, pouco transparente mas deixando perceber que apenas uma clic (entre militares e políticos colocados no aparelho de Estado) possam beneficiar dessas riquezas minerais que estão no subsolo angolano, como o petróleo, os diamantes e outras matérias-primas estratégicas que têm outras finalidades na indústria de ponta.
Neste quadro creio que Angola ainda não fez a sua verdadeira revolução social. Por um lado, porque o poder instalado não quer partilhar com muitos aquilo que hoje é de poucos. Por outro lado, porque a cultura política africana não premeia a valorização do interesse geral de forma gratuita e voluntária. Em África tudo o que se consegue é a muito custo, salvo se se beneficiar do apoio do regime ou de alguns dos seus players que fazem a lei no dia a dia na economia e na sociedade.
Angola ainda não se abriu ao investimento externo de forma transparente e clara. Para tudo é preciso "luvas", e isso encarece os estudos preparatórios que leva qualquer empresário a investir no território. Falta, pois, um grande SIMPLEX em Angola, e nisso Portugal poderia ajudar. Apenas falta a vontade política para o efeito. Seria igualmente desejável que a partidarização da sociedade angolana se atenue, porque a sua existência só atrasa o crescimento, o desenvolvimento e a modernização das suas gentes e do seu território.
Sem estas revoluções sociais, administrativas e burocráticas - para funcionalizar melhor o Estado - para que servem as imensas receitas do ouro negro se, de facto, ele não contribui - directa ou indirectamente - para o efectivo desenvolvimento sustentado do País?
No fundo, a sociedade angolana tem alguns dos problemas que Portugal tem - mas numa dimensão e profundidade mais graves. Uma sociedade civil fraca, grande dependência do Estado - que se manifesta através dum excessivo peso na economia e na sociedade. Além de que a sociedade angolana ainda tem uma coisa que nós já perdemos: o medo.
O pluripartidarismo deve ser aprofundado, o pluralismo nos sindicatos, nos jornalismo, nas associações cívicas deve ser reforçado. E quando isto se fizer a sério o partidarismo hoje existente tende a recuar para libertar recursos tão necessários ao empreendedorismo da sociedade, à vitalização dos seus quadros, das profissões liberais, enfim, racionalizar e dar transparência e conferir efectivos direitos (sociais, económicos e culturais) ao conjunto da sociedade - que hoje ainda vive amarfanhada entre a pobreza e a dependência do aparelho de Estado e da clic militar que há muito deveria ter menos poder do que na realidade tem.
É certo que a Angola d´hoje já não é a Angola ao tempo dos Acordos de Bicesse, no Estoril, que depois degeneraram e empurraram o país para a guerra civil. Mas também não é o que já deveria ser. Pelo meio cometeram-se erros, incompetências, má fé, corrupção - que é generalizada em África.
Penso que esse balanço social, económico e político ainda está por fazer. A democracia tem e deve ser relançada. A sociedade civil deve fortalecer-se e afirmar-se. E o Estado deve ser não só o grande facilitador desses processos múltiplos como também o garante de que eles não descambam em favor de uns (poucos) e em detrimento de outros (o zé povinho). O mesmo que hoje ainda vive com menos de 1 dólar por dia, e isso, convenhamos, é dramático. E até moral e éticamente inaceitável, tratando-se dum país riquíssimo e com tantas potencialidades. Talvez o "Zé Du" (Eduardo dos Santos) já tenha pensado nisso. Mas enquanto não permitir que se faça algo verdadeiramente diferente em Angola, continuarão a morrer crianças de malária, de sida, de subnutrição, de tuberculose, de diarreias, campeando a corrupção e o nepotismo, a pobreza coabitando com os condomínios de luxo, enfim, o velho Estado africano continua a dar as mesmíssimas cartas num jogo há muito viciado. Viciado para o povo e sempre vantajoso para as ditas elites. As mesmas que em Lisboa andam com diamantes nos bolsos e fazem-se transportar em automóveis de 70,80 e 100 mil euros. Isto, confesso, choca. São, portanto, estes pequenos (grandes) fantasmas que Zé Du - e o seu regime - terão de estirpar da sociedade angolana. Mas como estes vícios (tão caros quanto vantajosos) estão profundamente enraizados naquela cultura de poder que há 30 anos controla o aparelho de Estado, duvido que sejam os mesmos que hoje estão no poder a fazer as revoluções necessárias que Angola urgentemente precisa para se modernizar e desenvolver. Além disso, ninguém gosta de perder os privilégios acumulados... E também não será em Portugal que Eduardo dos Santos irá ouvir esse discurso moralizar em torno da África boa e com futuro. Uma África que defende a transparência do Estado e a boa utilização do petróleo cujas receitas, por uma vez na vida, devem começar a ser canalizadas para o desenvolvimento sustentado do povo angolano. PS: Dedico este texto ao sofredor povo angolano que tem sabido manter a esperança em nome de um País melhor.